Vancouver 2018
Esse não vai ser um post de viagem como os outros que já fiz por aqui, até porque, mês que vem vai fazer 7 anos dessa viagem e confesso que já esqueci muito de tudo o que rolou nesses meus poucos dias em Vancouver. Mas sim, essa viagem foi especial por motivos muito íntimos que eu nem pretendia expor aqui, mas quando vi, as palavras já estavam se formando nesse texto.
No último sábado eu estava de manhã colocando meus pensamentos no papel, como volta e meia gosto de fazer, e essa viagem me veio a mente. Na realidade nos últimos dias eu tenho pensado muito nessa viagem e no que ela representa pra mim.
Recentemente fiz uma consulta astrológica para saber sobre a minha revolução solar para o próximo ano (sem julgamentos, hein? Há quem acredite em santos, em políticos, em simpatia, e até que a Terra é plana… eu acredito em mapa astral) e a astróloga da vez me lembrou de um ponto muito importante do meu mapa natal que eu meio que faço questão de esquecer. Mas dessa vez algumas fichas caíram e acho que finalmente aceitei algumas verdades incontestáveis que preciso trabalhar (pra valer).
Desde criança eu sempre fui muito dependente da presença do outro e sempre coloquei as outras pessoas em 1º lugar por conta disso. Pra mim fazer coisas sozinha fora de casa sempre foi um desafio. Mesmo! Meu desconforto em estar em um lugar rodeada de pessoas desconhecidas já foi bem intenso e até paralisante. Quem me vê hoje indo pra tudo que é canto sozinha, seja pra fotografar ou passear, não faz ideia de como esse cenário pareceria impossível pra mim quando mais nova. Eu era aquela pessoa que preferia pegar um pão de queijo em uma padaria qualquer e sair andando enquanto comia a ter que me sentar sozinha em um restaurante pra almoçar, tamanho meu desconforto. Na adolescência, diversas vezes fiquei esperando companhia pra ir ao mercado ou para ir para as aulas da tarde na escola, tudo porque eu sentia uma angústia tão grande em andar poucas quadras sozinha, como se algo de ruim pudesse acontecer. Sempre acabava fazendo o que era importante para outras pessoas e diversas vezes deixei de fazer algo que eu queria muito só porque não tinha ninguém pra ir comigo. Nunca esqueço quando, num workshop de fotografia em São Francisco Xavier, a fotógrafa que ministrava o curso pediu que cada um dissesse sua maior conquista até ali e na mesma hora me veio toda minha infância, adolescência e início da vida adulta e o medo que eu tinha de transitar pelo mundo sozinha. Na mesma hora levantei a mão e falei “minha maior conquista foi conseguir andar sozinha por aí, estar aqui hoje com todos vocês que acabei de conhecer, longe de casa, é algo que há alguns anos eu jamais faria”. Eu sei, parece uma grande banalidade e frescura, mas cada um de nós vem pra esse mundo com seus desafios, o que pra alguns é natural, pra outros exige esforço. E pra mim, transitar pelo mundo sozinha sempre foi um desafio (sim, já levei esse tema pra terapia mais de uma vez nos últimos anos, fiquem tranquilos). Fato é que no meu mapa está justamente essa questão. A minha “missão/desafio” dessa existência é aprender a me bastar, aprender a fazer por mim o que precisa ser feito, aprender a me colocar em 1º lugar e não depender da companhia de outras pessoas pra ser feliz ou viver a vida, aprender que eu sozinha dou conta e posso fazer o que eu quiser. E ficar bem com isso. Acho que eu não tinha entendido tão bem essa questão até a astróloga de agora me falar o termo “codependência”. Eu realmente sempre me coloquei dependente dos outros de alguma forma… dependente de companhia pra passear, pra almoçar fora, dependente de clientes indicando meu trabalho, dependente de alguém pra me levar onde eu precisasse e não fosse simples chegar de transporte público, dependente de uma presença pra estar em lugares com muitas pessoas desconhecidas como uma academia ou um congresso de fotografia… E tá tudo bem precisar de ajuda, querer companhia, ter o privilégio de ter meu trabalho sendo divulgado por quem gosta do que faço, mas não está tudo bem depender disso tudo pra seguir em frente com a vida, entende?
E aí que nesses últimos dias tenho pensado muito sobre esse assunto e tudo que venho empurrando com a barriga ou trabalhando na lei do mínimo esforço porque são questões que me geram desconforto e medo. E aí lembrei dessa viagem pra Vancouver. Na época, 2018, eu estava fazendo terapia e já tinha conseguido melhorar muitas outras questões. Então esse tema do meu medo/desconforto de fazer coisas sozinha era mais um dos pontos que eu precisava trabalhar. Como gosto muito de viajar, surgiu a ideia de fazer minha 1ª viagem sozinha. Lembro que minha terapeuta sugeriu que eu fizesse uma viagem aqui pelo Brasil, mas eu falei que me sentia muito mais segura em outros países do que aqui. E foi então que eu pensei: pra onde eu posso ir que seja seguro pra uma mulher ir sozinha? Nas minhas pesquisas o Canadá surgiu como uma das opções. Perfeito, eu sempre quis conhecer Vancouver e não conhecia ninguém que quisesse ir pra lá, então seria um destino que se eu quisesse ir ou eu teria que encaixar no trajeto de alguma outra viagem acompanhada, ou eu teria que ir sozinha. De quebra eu tinha um amigo morando lá com a esposa, então pensei “se acontecer qualquer coisa, eu tenho alguém conhecido pra pedir ajuda”. E foi assim que em pouco mais de um mês eu me organizei pra viajar. Foram só 5 dias na cidade (4 dias e meio considerando que cheguei pouco depois de 12h do dia 17/11 e fui embora de manhã no dia 21/11), que era o tempo que eu podia ficar longe de casa na época por conta da minha gata que precisava de cuidados específicos de saúde. Fui com a cara, a pouca coragem, um celular cujo GPS não estava funcionando (pra dar mais emoção) e uma missão: fazer o que eu sentisse vontade e não me forçar a ultrapassar meus limites só porque tinha sido uma viagem cara. Sair de casa pra ir pra outro país sozinha já era uma grande vitória pra quem, na adolescência, não ia sozinha nem ao mercado que ficava à duas quadras de casa.
No dia que cheguei, meu amigo (Rafael Almeida, também fotógrafo - as fotos em que apareço nesse post foram feitas por ele a pedido meu, com a minha câmera e meu celular capenga) foi me buscar no aeroporto, mesmo eu tendo falado que não precisava. Mas achei ótimo, claro! Então fui almoçar com ele e a esposa, Michele, e depois eles tinham compromisso. Fui então começar minha aventura sozinha, explorando um pouco da região central. Acabei chegando em Gastown sem querer, uma região super bonitinha e antiga da cidade onde fica o famoso relógio que solta fumaça.
No dia seguinte, que era o único que o Rafa tinha livre, foi também o único que tive companhia. Fomos logo cedo ao Capilano Suspension Bridge, o lugar que mais amei ir nessa viagem. Mesmo com medo de altura, estar no meio de toda aquela natureza logo cedo me fez um bem danado. Foi lá, no meio daquela floresta de pinheiros que contei pra ele o propósito daquela viagem, que falei sobre tudo isso que contei sobre a minha dificuldade e medo de fazer coisas sozinha. E foi nesse momento, enquanto conversávamos (e eu chorava emocionada por compartilhar a minha história), que ouvi um piado fininho, o som de um pássaro que eu tinha certeza que já tinha ouvido em algum lugar. Então olhei pra cima e, com muita dificuldade, vi entre as folhas lá no topo de uma das árvores, uma águia careca, a famosa águia americana. Eu nem sabia que aquela espécie vivia por aquela região e foi a maior alegria da minha viagem. Eu sou uma grande apaixonada por aves de rapina desde criança. Corujas, gaviões, águias… sempre me chamaram atenção. E ter a chance de ver aquela águia pessoalmente, livre na natureza, mesmo que de longe, encheu meu coração de alegria. Ainda mais naquele momento em que eu contava pro meu amigo algo tão importante pra mim. Foi quase como uma confirmação “tá vendo, se você não tivesse tido a coragem de fazer essa viagem sozinha, você não teria realizado esse sonho de ver a águia que só via em filmes”. Depois avistei a águia mais uma vez quando passava pela ponte pra ir embora do parque, tentei fotografar mas estava longe, então os registros não são dos melhores, mas tá valendo.
De lá seguimos pro centro da cidade, pra ver a vista do Vancouver Lookout e então fomos encontrar a esposa dele em Grandville Island pra almoçar.
Essas duas últimas imagens eu tirei com o celular quando voltava pro centro da cidade depois de me despedir do meu amigo e da esposa dele. Ele tinha me falado que eu podia pegar um ônibus e explicou onde era o ponto, como eu fazia pra chegar lá, qual era o ônibus e onde eu deveria descer. Mas falou também que se eu quisesse ir a pé, era só atravessar a ponte e seguir em frente que eu chegaria na rua do meu hotel, seria uma longa caminhada mas dava pra ir. Claro que optei por ir a pé. E foi ótimo porque pude ver essa vista linda do pôr do sol, com as montanhas ao fundo, a cidade iluminada, os barcos ali todos paradinhos e organizados.
No dia seguinte, o 1º totalmente sozinha, resolvi explorar o Stanley Park e, como estava sem GPS e não consegui encontrar nenhum lugar que tivesse um mapinha impresso do parque, achei mais sensato não me aventurar pelo meio dele e muito menos pelas trilhas (já que ele é o maior parque urbano do mundo - ou talvez só da América do Norte, não lembro - e tem guaxinins e coiotes que vivem por lá). Então fui caminhar pela orla do parque achando que seria um passeio tranquilo. E foi em termos, mas eu não tinha ideia realmente do tamanho do parque. Fui a pé e, diversas vezes, ao ver pessoas passando de bicicleta, me perguntei porque eu não tinha alugado uma. Na metade do caminho eu já estava muito cansada, com fome e não tinha uma entrada sequer ou placa que indicasse a civilização. Em determinado momento, já exausta, perguntei pra uma senhora que vinha na direção oposta se faltava muito pra chegar na cidade e ela me falou “huuumm, cerca de meia hora mais ou menos” e eu meio que dei uma choramingada falando “não…”, a pobre da senhora na hora foi me acalmar “mas está perto, fica calma…”, aí eu meio rindo com a minha reação e a reação dela falei “eu sei, é que eu tô vindo desde a outra ponta e minhas pernas estão doendo muito rsrs… eu não tinha ideia de que era tão longe”. Ela me consolou de novo “eu sei, querida, é longe mesmo, mas você já está chegando! Logo depois daquela curva você já vai ver a cidade”. Depois fiquei rindo dessa interação, pobre senhora hahaha…. Foram 3h30 caminhando sem parar pra descansar e com fome. Eu tinha só um pacotinho de mini Oreo na bolsa que fiquei com receio de tentar comer e ser atacada por uma das muitas gaivotas que tinha pelo caminho. Então quando finalmente cheguei na cidade de novo, fui no 1º Starbucks que encontrei e pedi um queijo quente pra comer, exausta. Depois fui pro hotel descansar e sai pouco depois pra explorar as lojas da rua do hotel antes de anoitecer.
Nos outros dias eu meio que fiquei explorando a região central da cidade. Onde dava pra chegar a pé, eu fui. Como fui quase no final de novembro, era uma época que o sol se punha muito cedo, 16h30 já estava escuro como se fosse 19h. Então eu aproveitava a luz do dia pra ir mais longe do hotel e poder ver a cidade na claridade. Em um dos dias fui até a English Bay pra ver o pôr do sol que diziam que era lindo de se ver de lá, mas justo nesse dia o tempo começou a virar no final da tarde.
Dei sorte de pegar a maior parte dos dias com sol em Vancouver, a chuva só foi aparecer mesmo na minha última noite por lá e aí ela caiu pra valer. O que foi uma pena porque justo nesse dia ia começar a funcionar a Feira de Natal e eu queria muito ir, mas com guarda-chuva achei que seria meio caótico andar entre as barraquinhas.
O Breka Coffee foi recomendação do meu amigo e realmente era muito bom, fui tomar café por lá pelo menos 3x já que era próximo da região onde fiquei hospedada.
Essas duas últimas fotos foi da voltinha que dei pelos arredores do hotel na manhã antes de ir pro aeroporto. Tinha chovido a noite toda e de manhã ainda estava uma garoinha, mas eu queria muito pegar algumas folhas pra levar pra casa (contei outro dia no Instagram sobre a minha tradição de pegar folhas em viagens e fazer quadrinhos depois. Foi assim que nasceu o logo da minha marca em 2015). Lembro que em um dado momento um senhorzinho vinha passando com seu cachorro. Normalmente eu iria interagir com o cachorrinho, que veio me cheirar, e trocar algumas palavrinhas com o dono… mas nesse dia eu estava segurando as lágrimas, num misto de tristeza e alegria por voltar pra casa e acabei só me afastando pra eles passarem. Era estranho, não sei se foi porque nesses poucos dias criei uma rotininha própria ao andar todos os dias pela mesma rua do hotel que era uma das principais e cortava a cidade de uma ponta a outra, mas a sensação que eu tive nesse dia era a de que eu estava deixando minha “casa” pra voltar pra minha outra casa. Vancouver me deixou com essa sensação de lar. E talvez de alguma forma tenha sido mesmo, foi o lugar que eu escolhi pra enfrentar minhas inseguranças. E normalmente o lugar onde a gente se sente mais seguro é o nosso lar, não é mesmo? Quem sabe um dia a vida não mexe seus pauzinhos e eu tenha a chance de morar de fato nessa cidade tão linda.
Não posso dizer que tive um super avanço na minha missão. Deixei de ir a lugares só pra não ter que pegar ônibus pois achei a logística do transporte público de Vancouver um tanto confusa e fiquei com medo de me perder (até porque, vamos lembrar que o GPS do meu celular não estava funcionando). Não me forcei a sentar em restaurantes pra comer (tirando um dia que fui numa hamburgueria que meu amigo tinha indicado), optei mais por ir em cafés ou pegar comida pra comer no hotel a noite. Perdi a chance de ir ao show de uma banda que eu gostava muito e que ia se apresentar na minha última noite lá porque fiquei com medo de ir sozinha e voltar tarde da noite pro hotel. Mas andei por muitos lugares, me imaginei morando naquela vizinhança, conversei com pessoas que encontrei pelo caminho, comprei canecas pra minha coleção, vi bichos que alegraram os meus dias. Não foi uma viagem cheia de passeios, não foi transformadora e nem um divisor de águas. Mas foi um passo, um grande passo pra mim. Foi importante pra eu entender que eu posso não gostar de fazer as coisas sozinha, pode ser desconfortável a beça, pode dar medo, mas eu consigo, eu dou conta. Ainda que devagar, ainda que cheia de inseguranças, ainda que eu enfrente um receio de cada vez. Se precisar eu vou, eu faço, eu sigo. E que indo, eu posso ver muito mais do mundo e do que me preenche. Posso fazer por mim tudo aquilo que eu fui deixando pelo caminho por não ter companhia. Não, eu não voltei cheia de vontade de viajar sozinha de novo. Como disse pra minha terapeuta na época “se eu puder escolher, ainda vou preferir mil vezes ter companhia, mas hoje eu sei que, se eu não tiver, eu consigo seguir sozinha”. E isso não é sobre viagens…